outubro 27, 2020
Com o advento da internet e as transformações das tecnologias da informação e comunicação, o mundo foi se tornando cada vez mais conectado. Junto com essas transformações, o acesso à informação tomou proporções globais, fazendo com que se fosse possível obter qualquer conteúdo, em qualquer tempo e lugar.
Assim, em substituição aos antigos meios de difusão de notícias (rádios, televisão e jornais), que levavam os indivíduos ao natural esquecimento das coisas, o avanço da tecnologia também alterou a exposição da vida pessoal dos sujeitos em geral. Dessa forma, conflitos originados das interações dos usuários das redes começaram a surgir.
Nesse contexto, o Direito, como conjunto de normas que deve acompanhar essas transformações, deu margem para a proteção de um novo valor: o esquecimento. Este, que se relaciona com os chamados “direitos fundamentais” (como o direito à honra, a vida privada e à dignidade da pessoa humana), pode ser conceituado como sendo o direito de não ser lembrado por atos constrangedores, vexatórios ou depreciativos na internet, está ligado ao direito de se ter o nome removido de buscas sobre fatos passados.
Ganhando inicialmente destaque pelo caso posto sob apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, o caso Mario Costeja González vs. a editora La Vanguardia Ediciones e as empresas Google Spain e Google Inc, julgado em 2014, possibilitou que se firmasse a primeira tese em proteção ao direito em questão por um órgão internacional: seria legítimo dificultar o acesso a material que, pelo decurso do tempo, se tornasse irrelevante, inadequado ou excessivo.
Todavia, em âmbito nacional, o assunto ainda gera muitas discussões. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, de forma explícita, a previsão do direito ao esquecimento. Entretanto, diversos artigos – além daqueles que fazem referência à proteção da privacidade, como o Marco Civil da Internet e a Constituição – são invocados para dar suporte à ideia de sua existência.
Exemplo disso é o que apresenta a Lei de Execução Penal, que em seu artigo 202 expõe: “Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, testados ou certidões […] qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal […].”
Também o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 43, parágrafo 1º, apresenta que os cadastros dos consumidores não poderão conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
Já no âmbito das decisões dos Tribunais, há entendimentos para os dois lados. Uma vez que se contrapõe a outros direitos considerados “fundamentais” (como o direito de liberdade de expressão e direito à informação), muitos negam o direito ao esquecimento com a justificativa de que se estaria censurando os canais de comunicação.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça), por exemplo, reconheceu e aplicou o direito ao esquecimento no caso “Chacina da Candelária” (Recurso Especial nº 1.334.097/ RJ), condenando a TV Globo a pagar indenização no montante de R$50.000,00. Já no caso Xuxa vs. Google (Recurso Especial nº 1.316.921/RJ), entendeu a ministra relatora do caso que a retirada da internet do nome da ex-apresentadora, associado ao termo “pedofilia”, configuraria censura.
Semelhantemente, é possível encontrar nos tribunais de primeira instância posicionamentos diversos, tanto para reafirmar o direito ao esquecimento, quanto para negá-lo. Ainda assim, caberá ao Supremo Tribunal Federal, em breve, através do Tema de Repercussão Geral nº 786 – que terá como caso norteador o Recurso Extraordinário movido pela família de Aída Curi (RE nº 1.010.606) – decidir se tal direito se harmoniza ou não com o ordenamento jurídico brasileiro.
TAYNÁ LOPES VIEIRA é estagiária do escritórioNEUBERN E THEODORO ADVOGADOS.
tayna.vieira@neubernetheodoro.com