novembro 24, 2020
Desde os primórdios até o início do século XX era muito comum que as mulheres realizassem o parto em seus domicílios, com a ajuda de parteiras e membros da família, visto que o parto era encarado como um procedimento fisiólogo e feminino.
Com as transformações em sociedade e avanços tecnológicos, iniciou-se a “hospitalização” do parto e, junto a isso, algumas condutas realizadas durante o procedimento pelos médicos e demais profissionais se tornaram “comuns”.
Assim, durante o período pré-natal, no trabalho de parto e pós-parto é habitual a mulher ser tratada de forma grosseira, desrespeitosa, humilhante ou até violenta. No entanto, o que muitos não sabem é que tais condutas configuram a chamada “violência obstétrica”.
Apesar de ser um termo relativamente novo, esse tipo de violência ocorre há tempos, sendo conceituado como toda violência sofrida no momento da gestação, parto, nascimento e pós-parto, evidenciada, entre outros, pela violência física, psicológica, verbal, simbólica e sexual, assim como pela negligência na assistência e discriminação.
Exemplos disso são: ter atendimento negado em situações de urgência (como os casos de complicações de abortamento, independentemente de ter sido provocado ou espontâneo); não ser fornecido anestesia quando necessário e procedimentos não invasivos para aliviar a dor ou sofrimento; ser impedida de andar e escolher a posição do parto; não receber informações sobre o próprio estado de saúde e os procedimentos mais indicados; não ter direito à privacidade, ao conforto e ao não constrangimento nas consultas e procedimentos diagnóstico, e outros.
O que traz mais discussão, no entanto, é quando a cesariana se torna uma violência obstétrica: a Organização Mundial da Saúde definiu que a taxa máxima para cesariana deve ser de 15%, considerando que apresenta inúmeros riscos de mortalidade e morbidade para mãe e bebê. Entretanto, uma pesquisa realizada no Brasil (segundo país com maior taxa de cesarianas, segundo ranking da Folha) revelou que o percentual de cesarianas chega a 57%, sendo que 40% dos partos ocorreram na rede pública e 84% na rede particular. Esses dados demonstram nitidamente que há um desrespeito por parte da comunidade médica quanto à utilização deste procedimento, dado que é preciso realizá-lo apenas quando necessário, revelando, portanto, a presença da violência obstétrica.
Nesse sentido, é importante ressaltar que existem instrumentos jurídicos destinados a repelir essa forma de violência. A Lei Federal nº 8.080/1990 – que tutelou o direito da mulher ter um acompanhante de sua escolha durante o acolhimento, pré-parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – e a Lei Estadual nº 17.097/2017, do estado de Santa Catarina – que dispõe sobre a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica – são exemplos de busca e efetivação da tutela jurídica à gestante.
Da mesma forma, os Tribunais Superiores têm entendido que tais condutas podem gerar indenização de cunho material e moral, posto que é um direito da mulher ter um parto humanizado e assistência digna e respeitosa durante todo o acompanhamento de sua gestação.
Assim, é indispensável que se ocorrido a violência obstétrica, a gestante procure a ouvidoria da instituição de saúde, denuncie ou procure um profissional capacitado que busque a reparação dos direitos violados.
TAYNÁ LOPES VIEIRA é estagiária do escritório NEUBERN E THEODORO ADVOGADOS.
tayna.vieira@neubernetheodoro.com